quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Espera.


Eu já esperei pelo violão dos meus sonhos numa esteira de aeroporto. Comprei em Nova York, cheguei no Brasil. Toda a bagagem em mãos menos o tão querido instrumento. Demorou horas, minha mãe que acompanhou a angústia no local disse que meu sorriso ao ver o violão foi único.

Esperei também algumas ligações. De uma paixão adolescente que nunca veio. De uma resposta de emprego que por fim foi negativa. De pessoas queridas para me desejar feliz aniversário. Toda a espera valeu alguma coisa, mesmo quando o telefonema não ocorreu.

Já tive que esperar minha irmã trocar de roupa para sair à noite. Somos compreensíveis com namoradas, com irmãs nem tanto. Fiquei debaixo da escada impaciente. Ao vê-la arrumada, mais nervoso ainda me senti. Difícil ver aquela criança de repente aparecer pintada de mulher para seus amigos babarem.

E esperei muito mais: um pedido de desculpas, um abraço sincero, um pouco mais de compreensão. Aos trinta e cinco já vivemos todo tipo de espera. Quer dizer, quase todo.

Hoje, Luiza, espero sua chegada. Essa é inédita e incomparavelmente mais preciosa do que qualquer outra. Causa ansiedade, um pouco de receio, muito amor.

Seis meses já voaram. E não espero nada a mais, quero apenas que você venha.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Balas coloridas e proteção.


Sou do tempo da bala Soft, filha. Nem sei se ainda existe tal guloseima. E muito menos sei se um dia você vai conhecê-la.

As Soft eram coloridas, lindas, porém bem duras e escorregadias. O terror de pais, pois não conseguíamos mastigá-las e, por isso, ficavam por horas na boca. Um perigo, num deslize fatal, a bala entrava por nossa garganta e ficava entalada causando engasgos, tosse e outro sintomas indesejáveis.

Garçons adoravam dar balas Soft para as crianças após uma refeição. Seria uma vingança pela bagunça, sujeira e barulho exacerbados? Pode ser.

Por que estou contando isso? Pelo simples fato de que agora, mesmo antes de você nascer, sei como funciona a cabeça de um pai preocupado. E também entendo a vontade de não tirar um momento de prazer do filho.

Vai chegar o dia, Luiza, que muitas balas Soft estarão pelo seu caminho. E você vai me olhar com aquela expressão de “posso, pai?”

Acho que vou dizer sim nesta hora, minha filha, apesar de não querer que você engasgue como eu o fiz certa vez. Não fique brava comigo se isso acontecer. Será meu jeito de ensinar que um momento de doçura sempre vale a pena, mesmo que ele venha acompanhado de nó na garganta.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Meninos também choram.


Ontem eu chorei, minha filha. Pode ser chocante para você, mas saiba desde já que adultos também choram.

Eu era crescido quando percebi pela primeira vez meu pai aos prantos e, confesso, a cena me assustou. Sabe, quando a gente é criança pensa que nossos pais são super heróis, imbatíveis, inabaláveis. E vê-lo assim tão triste, a ponto de deixar escaparem as lágrimas em minha frente, foi um fato marcante em minha juventude. Passou. Hoje sei que é normal.

Mas meu choro de ontem foi de outro tipo, um que você também vai experimentar. É o  de quando ficamos felizes. É gostoso quando acontece desse jeito, pode acreditar.

Tem sido frequente, Luiza, penso em você e meus olhos acabam ficando marejados. Gosto de tentar imaginar como é seu rosto - será que você vai se parecer comigo ou com a mamãe? Nessa brincadeira de adivinhar também tento descobrir do que você vai gostar, de boneca, de música, de dançar? São tantos pensamentos que me invadem, acompanhados de sentimentos tão extremos, que não agüento, a emoção toma conta de mim.

Talvez um dia você chegue em casa e me encontre chorando. Se me vir deste jeito, minha filha, não precisa se preocupar. Dê-me um abraço, seguido de um beijo estalado na bochecha. Tanto faz se o choro for de tristeza ou de alegria: seu carinho será bem vindo em qualquer situação.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Você é menina, que sorte!


Luiza, hoje numa reunião entre homens soltaram a fatídica frase: “mulheres são muito complicadas”. Nós garotos (pois é, não crescemos nunca) teimamos em repetir esta oração feito um mantra, deve ser justificativa por sermos tão óbvios.

Meninas são diferentes, eu bem sei. E ter descoberto que você, filha, seria uma delas causou-me a princípio certo medo, sentimento que posteriormente transformou-se em imenso afeto.

Lembro-me bem do dia que soube seu sexo. Sua mãe e eu no laboratório, o segundo ultrassom. E o médico mostrava seu fêmur, seus pulmões, seu aparelho digestivo, nada de dizer sobre o assunto. Até que finalmente você resolveu nos dar essa surpresa, quanta emoção. Fiquei sem palavras durante um tempão.

Desde então tenho exercitado minha sensibilidade, sei que ser pai de menina não é tarefa fácil. Fácil é conviver com homens, falar de futebol, boxe, carro. Árdua tarefa encantar-se com flores, chorar no final do filme, perceber a hora certa de fazer carinho.

Não serei infalível, minha filha, mas prometo usar tudo o que tenho para fazer você feliz. Tanto quanto você já me faz.

Eu amo você de um jeito que chega a doer. Beijinho do seu pai.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Despertando.

Filha, tem um verso de um grande poeta, dos meus preferidos que diz: “Quando te vi amei-te já muito antes . Foi o que senti quando olhei para você pela primeira vez no dia do ultrassom. Não dava para enxergar muita coisa, mas pude notar seu contorno, seus bracinhos, suas perninhas.

Aquela imagem, em preto e branco, foi a mais emocionante que já vi. Mais que uma tela de Renoir, mais que um filme de Wim Wenders.

E como disse Pessoa na poesia, eu já a amava antes disso.

Ser pai tem dessas coisas. Descobrir um antigo amor que já existia, latente, esperando para brotar. E olha que eu nunca antes havia pensado em filhos, de repente vem você. Para despertar minha sensibilidade. Para reconstruir meu mundo. Para me fazer crer que antes disso nem existia vida.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Final de semana a três.


Bom dia, meu amor. Hoje é segunda-feira, começo da semana, a gente tem que pegar no tranco. Um dia você vai entender a expressão.

Mas o fim de semana foi ótimo, ficamos ajeitando nossa casa. Agora falta pouco, Luiza, dentro de alguns dias estaremos morando juntos, nós três.

Você percebeu como sua mãe tem preparado tudo com tanto zelo e afeto? Pude observá-la arrumando um armário, ela o fazia como quem lapida a mais rara de todas as joias. Parece pouco, mas achei um ato comovente.

Descobrimos que a padaria em frente de casa vende um franguinho delicioso, será o almoço de vários domingos. Foi o nosso primeiro em casa e, de novo, a mamãe arrumou a mesa improvisada com todo o amor que ela sabe dar. Momento delicioso e inesquecível, tomara que você também tenha sentido isso.

Antes de ir embora, alisei você, beijei você. E fui dormir. Do jeito que só o mais feliz dos homens consegue.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Estou procurando um realejo.



Bom dia, meu amor. Hoje ao vir para o trabalho escutei Realejo do Chico em meus fones de ouvido. Filha, eu adoro ouvir música quando estou no trem. As canções fazem um contraste com a correria da cidade, acabo por viver algo surreal. Enquanto pessoas olham os relógios, andam apressadas, eu fico fechado em meu mundo cheio das canções que mais amo.

O fato é que tal realejo me fez pensar. “Ninguém mais quer hoje em dia acreditar no realejo” – diz Buarque, que na sequência anuncia sua venda. E olha que o “hoje em dia” citado é bem mais antigo que seu próprio pai, pequena Luiza.

Eu queria um dia poder mostrar um realejo para você, tomara que ele não esteja extinto quando você ficar grandinha.

Em meu sonho vamos juntos andando de mão dadas, de repente você se encanta com o pequeno papagaio dentro de uma caixinha amarela de madeira. Um moço de suspensórios e boina roda a manivela e uma valsa preenche a praça. Pego o bilhete do bico do bichinho e leio em voz alta para você: não fique procurando a felicidade, ela está de mãos dadas com você.    

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Coisas gostosas de comer e de sentir.

Um dia você vai descobrir, minha filha, que uma das coisas mais gostosas do mundo é comer um Sonho de Valsa. Se o bom-bom for desses que a gente ganha de alguém querido, de surpresa, melhor ainda.

Agora, já com trinta e cinco anos, tenho uma técnica desenvolvida para degustar o chocolate. Funciona assim: dou uma pequena mordiscada na casquinha, com zelo suficiente para que meus incisivos não cheguem ao recheio. Imediatamente a parte de fora é partida em duas metades milimetricamente calculadas. Então, ingiro primeiro a parte da casquinha sozinha, pura. Sobra um recheio metade com casca, metade sem. Nesta hora como só a parte de dentro sem a casca. Fica faltando meio Sonho de Valsa montadinho, que mastigo de uma vez terminando o ritual.

Refleti hoje porque faço isso. Acho que é para sentir todos os sabores que o bom-bom tem: primeiro só a casca, depois só o recheio, depois os dois juntos. É minha mania de sentir as coisas ao máximo, com chocolate não é diferente. Com meu amor por você também não.

O mundo pode ser colorido.

Faz um calor de Senegal nessa cidade, minha flor, espero que dentro da barriga da sua mãe você não sinta. Aliás, passei um tempo dessa madrugada olhando para você aí dentro, não sei se percebeu.

Velei o sono de vocês duas no silêncio da noite, no escurinho, até eu conseguir pegar no sono. Sabe, sua atual casa é bem redondinha, tem formado de uma bola de capotão. Acho que deve ser confortável. Às vezes eu a beijo e acaricio torcendo para que você sinta o afeto excessivo que transborda de minha pele.

Quando acordamos hoje, não tive vontade de vir trabalhar. Queria continuar ali contornando a barriga com meu olhar, desenhando ao seu redor linhas imaginárias de belezas.

Hoje eu queria falar justamente sobre isso: belezas. Luiza, durante a vida muita gente vai tentar convencer você que o mundo é feio. Olha, ele realmente é repleto de coisas ruins. Mas aprendi, podemos guardar conosco todas as lindezas que existem.

O mundo é do jeito que a gente vê, meu amor. Por exemplo, onde muitos viram uma cebola, Neruda viu poesia. Manoel de Barros já escreveu sobre formiga. É a prova de que até as coisas mais elementares podem deixar a vida especial.

E se um dia, minha querida, você ficar descrente disso tudo, olhe nos olhos da sua mãe. Lá mora toda a beleza do mundo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Bailarinas e borboletas.




Sou apaixonado pelas bailarinas do Degas. Quando penso na síntese da delicadeza imediatamente me vêm à cabeça tais figuras.

Acho que também vai gostar delas, Luiza, porque sua mãe vive falando que você está dançando aí dentro. E seu balé parecem borboletinhas internas segundo ela me explicou. Isso eu ainda não havia sentido.

Mas hoje, justamente hoje, eu pude perceber como é esta sensação. Tais borboletas foram parar dentro de mim, talvez tenham voado para meu corpo aproveitando um dos muitos beijos que dou em sua mãe. Ou simplesmente usaram um sonho e invadiram-me a alma sem pedir permissão.

Amanheci flutuando graças ao bater de asas dos bichinhos. Era meu amor saindo do casulo.  

Pai também sente medo.


Sabe, filha, vez por outra sinto um pouco de medo. Quero muito ser um bom pai. Um tão bom quanto o meu. Aliás, tenho certeza de que você vai adorar o seu avô, um adulto com olhos poéticos de criança. Ele já está apaixonado por você, acredite.

Mas eu, que achava que esta coisa de paternidade estava há milhares de quilômetros de mim, me assusto um pouco. Porque eu quero saber educar você, repreender na hora certa, nunca ser omisso. Quero poder minimizar todos os seus traumas, ser seu amigo e entender até suas frustrações amorosas quando estiver grandinha. Lhe dar colo, atenção e ter ouvidos atentos ao que você tem a dizer.

Tudo isso, minha pequena Luiza, é assunto novo. E se me amedronto tanto é porque gostaria de ter um poder inexistente: o de controlar o mundo para que nunca alguma coisa lhe cause dor.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sobre flores e nascimento.


Sentir não exige ordem cronológica. Deve ser por isso que as palavras que escrevo a você não coincidem com os acontecimentos. Escrevo hoje o que senti há meses e posso redigir amanhã sobre uma lágrima que ainda vai cair. E não é assim o amor? Que desperta de repente de um estado de absoluta criogenia nos dando um frio na espinha quando menos esperávamos?

Digo isso com convicção, pois sou um homem de amores. Um dia você vai perceber, Luiza, o quanto seu pai pode ser emotivo. Chega a ser piegas, espero que me perdoe por isso (prometo não lhe envergonhar da frente das amigas com meus acessos de sentimentalismo).   

Porém, um amor como esse é inédito em minha vida. Hoje li que você deve estar com vinte e um centímetros. Menor que a régua da minha mesa. Porém, meu sentimento é sem medida, como pode? Melhor nem tentar entender.

O fato é que penso em você o tempo todo. E daqui da janela de meu novo emprego, vendo uma simples árvore cheia de flores roxas, lembrei que você existe e está bem guardadinha na barriga da sua mãe, meu outro grande amor. E você também vai desabrochar, minha linda. E vai ser tão bonito, tão cheio de paixão, que as pobres flores vão morrer de inveja de você.

Historinhas.


Escolhi seu nome porque é também o nome de uma música bem bonita, de um homem igualmente lindo que se chama Antônio. Dizem que a canção foi feita por encomenda para uma novela da Globo, mas não me lembro, isso é história que me contaram. E eu adoro histórias.

Ando cá comigo inventando algumas para você. Ah, você há de gostar de escutar as aventuras que ando preparando. Pode ser durante o dia, pode ser antes de dormir. Guardei comigo vilões terríveis e heróis que vão salvar a sua vida. Assim como você salvou a minha.

*Ilustração da sua mãe, Renata Antunes.